Ainda sinto a areia sob meus pés e o
vento fresco batendo no corpo. A pequena mão segurando a minha. Só nós duas, um
sol acabado de nascer e o mar à nossa espera. Um encantamento toma conta de mim:
só eu e ela, pela primeira vez.
Mergulhamos. Ela quer ir no fundo, mas
tenho receio de não conseguir protegê-la. Tenho
medo, digo apertando suas mãos. Tudo
bem, ela diz com amor nos olhos, vamos
pro raso.
O calor esquenta nossa pele, mas ela me
aquece por dentro. Cata conchas com destreza e me entrega. O sal salpica seu
cabelo e seu corpo. Olha essa que linda.
E essa, enorme! Consegui pegar mais uma. Poxa, a onda levou aquela que eu tinha
amado.
Caço conchas também. A gente ri e
investiga pedaços de outras coisas que acha no mar. Um caco de vidro, mas esse não corta, tia. Uma alga
esquisita. Ih, olha!, um sirizinho.
Mas é pra ela que olho. E acho que o sol
vem dos seus olhos... ou de mim. Vem de qualquer lugar iluminado dentro da
gente. E somos felicidade.
Em casa, depois do banho, sol e sal na
lembrança, ela me pede para penteá-la.
Ali, desembaraçando com cuidado seus
fios compridos, separando mecha por mecha, molhando, passando creme e definindo
cada cacho, enquanto ela balança as pernas e se admira no espelho, sinto um
amor tão grande, tão profundo, tão maior que eu mesma, que tenho vontade de
chorar.
Eu não sabia que afeto podia transbordar
tão de repente.
Ela sorri pra mim através do reflexo. Sorrio de volta terminando de fazer uma trança
só na franja e prendendo do lado, como uma coroa. Igual à sua, não é, tia? É sim, meu amor.
Ela corre pra brincar com a avó.
E eu sou maior do que era de manhã.
Juliana
Borel
afetos de junho de 2021